A partir de diálogos e provocações dos componentes de Fotografia e Economia Criativa no curso de Publicidade e Propaganda do Centro Multidisciplinar de Santa Maria da Vitória da Vitória da UFOB, estudantes investigaram o patrimônio cultural do município. Os patrimônios culturais são definidos na Constituição Brasileira (Art. 216) como “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Patrimônio é um dos grupos centrais das indústrias criativas na perspectiva da Economia Criativa e tematizou a proposta da investigação.
A preocupação do grupo foi localizar e refletir sobre o patrimônio material de Santa Maria da Vitória, sobre a situação histórica dos prédios, ruas e praças; destacar espaços pouco conhecidos; e também registrar, através de imagens, situações de caos social, abandono e deterioração das construções. Dentro da proposta de pensar soluções a partir do conceito de Economia Criativa*, a intenção é a de contribuir com o reconhecimento dos valores históricos, culturais, arquitetônicos e ambientais de cada fragmento-espaço identificado, apontar valores afetivos da comunidade e conscientizar as instituições sobre a importância da preservação.
Os textos e as imagens a seguir são um recorte da pesquisa e privilegiam as características positivas de cada fragmento-espaço observado pelo grupo. Já a galeria de fotos completa o mosaico, organizado com os espaços da cidade menos conhecidos e com imagens de fotógrafos externos ao grupo que concordaram em contribuir com a pesquisa. A ideia de mosaico concebida no trabalho tem o objetivo de orientar o leitor, o visitante da cidade e até mesmo o cidadão santamariense ‘mais distraído’ para as paisagens cotidianas que compõem o patrimônio cultural de Samavi.
Santa Maria da Vitória: o mosaico da pesquisa
Situada no interior da Bahia e banhada pelo Rio Corrente, antes chamado de Rio das Éguas, Santa Maria da Vitória é uma cidade que carrega em seu nome a devoção do português André Afonso de Oliveira, fundador da cidade, por Nossa Senhora da Vitória. Essa história começa em 1792, também com a chegada das pessoas que buscavam explorar o ouro na região. Hoje, com a economia centrada no setor de serviços, é a principal da cidade da Bacia do Rio Corrente, com uma média de 39 mil habitantes.
Ao município está vinculada a produção das carrancas de madeira como símbolo de uma das mais importantes representações do seu patrimônio cultural. As carrancas resgatam a memória das embarcações como único meio de transporte, de comunicação e distribuição da população que vivia às margens do Rio Corrente. A primeira edição da Revista Francisco conta com a matéria especial Arte são-franciscana, as carrancas estão na vanguarda da arte moderna brasileira que contextualiza a relevância cultural das figuras de proa.
Santa Maria da Vitória é conhecida também pela tradicional festa do Divino Espírito Santo, festa que ocorre há mais de 100 anos na cidade. Nos últimos festejos chegaram a circular, pela cidade, mais de 10 mil pessoas. Além de atrair turistas de outras regiões, esta festividade é responsável por movimentar e interligar etnicamente comunidades como Água-Quente, São João, Currais, Nova Franca, Mocambo e Porco Branco à cultura sede.
Objetos do espaço museal Guardados de Hermes. Foto: Ruth Damasceno de Miranda
Patrimônio cultural material: prédios, igrejas e praças
O passeio atento pelas ruas de Santa Maria da Vitória revela a riqueza do seu patrimônio cultural material. Igrejas, casarões, espaços públicos e privados, ora reformados e conservados, ora deteriorados ou abandonados, estabelecem vínculos com a comunidade local e enfrentam os desafios de reconhecimento das suas potencialidades e das possibilidades de contribuição para o desenvolvimento socioeconômico local e regional.
A maioria das construções históricas do território foi erguida na década de 60 e acompanhou o processo de desenvolvimento da cidade. Com o passar dos anos, tornaram-se pontos turísticos e de relevância cultural para a região. Destacam-se a igreja da Nossa Senhora das Vitórias, a Praça do Jacaré, a Praça dos Afonsos, a Biblioteca Municipal, a Rua Padre Otton (popularmente conhecida como Rua dos Doidos) e a sede da Filarmônica 6 de Outubro.
Recentemente surgiram outros pontos importantes como a Passarela Luis Felipe de Souza Leão, que conecta Santa Maria da Vitória a São Félix do Coribe. Em conjunto com o Rio Corrente, é um dos cenários mais registrados da cidade. Foi construída a partir de um projeto estrutural em prol da acessibilidade e conta com recursos potentes de iluminação. Além de servir como trajeto cotidiano da comunidade, tem a proposta de proporcionar uma visão panorâmica do Rio Corrente, valorizada por um carrossel de cores no período noturno.
Imprescindível aqui o registro do espaço memorável que desempenha um valioso papel de observação, conservação e memória do patrimônio cultural material e imaterial da região: Os Guardados de Hermes. Trata-se de um rico museu particular merecedor de divulgação e reconhecimento oficial das instituições. Seu idealizador, Hermes Novais, foi um dos convidados do primeiro Matizes em Diálogo, live de lançamento da Revista Francisco.
Casarão da Biblioteca Pública Municipal
A construção que celebra a cultura da cidade é a Biblioteca Pública Municipal Professora Maria de Lima Athayde de Santa Maria da Vitória. Ocupa o espaço que, em tempos remotos, sediava a prefeitura municipal. A biblioteca foi idealizada em 23 de setembro de 2002 e inaugurada em 26 de junho de 2009, como forma de homenagear a saudosa professora. Maria de Lima Athayde dedicou sua vida à educação e exerceu, com maestria, a função de professora, sendo uma figura exemplar a ser seguida.
A edificação na praça central da cidade atrai olhares pela imponência da arquitetura colonial com mais de uma dezena de grandes janelas, o branco e o vermelho contrastantes e o amplo acesso que proporcionam uma perspectiva convidativa para o local. Com o intuito de estabelecer um dinâmico centro cultural na cidade, a biblioteca tem o papel importante de democratizar o conhecimento e preservar o acervo de publicações, imagens e outros elementos da cultura da cidade e da bacia do Rio Corrente.
A galeria de imagens do seu interior registra movimentos revolucionários da região, práticas religiosas, datas comemorativas e retrata figuras ilustres, como Rosival Afonso Rocha e Adnil Novais Neto. Afonso Rocha desenvolveu atividades no ramo comercial e é um dos idealizadores da abertura da agência do Banco do Brasil na cidade. Já Novais Neto é um respeitável escritor e poeta com obras que lhe renderam premiações e que contribuem com a ampla divulgação do território.
Igreja da Nossa Senhora das Vitórias
A igreja da Nossa Senhora das Vitórias ocupa uma área central e privilegiada da cidade, apelidada carinhosamente pela comunidade como “Alto da Igrejinha”. Sua cruz no alto do edifício sinaliza um local de fé e contemplação, onde muitas manifestações religiosas locais são praticadas. De lá se tem uma vista contemplativa do Rio Corrente, do centro de Santa Maria da Vitória e da cidade vizinha de São Félix do Coribe. Ao seu redor, muitas casas e edifícios compartilham o resquício da arquitetura neoclássica presente na construção.
Nas proximidades do Alto da Igrejinha, existe uma escadaria que poucos se aventuram a subir por mais de uma vez, servindo como um ponto de referência para quem deseja chegar à igreja. Essa mesma escadaria já foi palco de inúmeros espetáculos de teatro e eventos religiosos, como a Via Sacra, encenada pelo grupo de teatro Pachamama. A igreja está situada em uma rua de mão única, estruturada por paralelepípedos, uma arborização diversificada e casebres. Os elementos que cercam a igrejinha e ela própria, por sua localização, podem ser vistos de diversos pontos da cidade.
Praça dos Afonsos
A Praça dos Afonsos, como é popularmente conhecida, é uma herança histórica local e recebeu esse nome como uma homenagem ao seu fundador, o português Afonso de Oliveira, e todo o seu núcleo familiar pela contribuição ao desenvolvimento da cidade. Reconhecida pela sua potência comercial e considerada pelos frequentadores do centro da cidade como um dos bons espaços urbanos para encontros e convívio social, é cercada por quiosques, bares, lanchonetes e diversas lojas de roupas, acessórios em geral e utensílios domésticos. A praça é palco do Rock dos Afonsos, festival anual de música que integra o calendário oficial de eventos da cidade.
Apesar de proporcionar um espaço de lazer à população, sua estrutura arquitetônica ainda não é bem aproveitada, está carente de reforma e pode ser remodelada para que as pessoas usufruam melhor do seu potencial, principalmente no período noturno. Uma revisitação estrutural da Praça dos Afonsos pode ser benéfica para fomentar o turismo local, já que a cidade é visitada diariamente por pessoas com diferentes propósitos. Um deles é a interação com o comércio popular. Outro, a busca por serviços na área de saúde. E também a identificação com lugares públicos autênticos, pungentes, com diversidade cultural, que oportunizam lazer, encontros e entretenimento.
Praça do Jacaré
O espaço público central de mais afeição santamariense é a Praça do Jacaré. Foi construída em 1960 no mandato do prefeito Leonidas Borba e a sugestão do nome foi do aliado político Luiz Viana Filho. Com o propósito de reunir a população, é palco de encontros e confraternizações. Atualmente, é a maior área pública da localidade com jardim, parque infantil e infraestrutura para acolher expressões artísticas, feiras literárias, equipamentos de alimentação e lazer.
A Praça do Jacaré margeia o Rio Corrente e está ao lado dos principais patrimônios materiais da cidade. Quem passa por lá tem o privilégio de uma vista que integra patrimônio natural e patrimônio cultural.
+ GALERIA
Passarela Luis Felipe de Souza Leão. Filarmônica 6 de Outubro. Fotos gentilmente cedidas por Rosa Tunes. As fotos da arte urbana de Samavi são de Ruth Damasceno de Miranda.
Economia Criativa: para compreender conceito e contextos
Os debates sobre Economia Criativa são relativamente recentes. O termo em questão foi desenvolvido pelo professor e consultor britânico, John Howkins, na sua obra publicada em 2001. Nela, o autor relaciona três mecanismos para desenvolvimento socioeconômico: criatividade, economia e a produção de capital simbólico em processos e produtos. A compreensão da ideia de Economia Criativa é complexa e é intrínseca às múltiplas vertentes presentes em outro conceito, o de indústrias criativas, que, em linhas gerais, estruturam os setores incorporados à produção criativa.
Dessa forma, o termo “indústria criativa” antecede a discussão acerca da economia criativa, sendo utilizado pela primeira vez em 1994, no relatório “Nação Criativa'', lançado na Austrália. Posteriormente, o termo ganhou mais visibilidade no ano de 1997 por meio do Departamento de Cultura, Mídia e Esporte do Reino Unido, estabelecendo a Força Tarefa das Indústrias Criativas. Desde então, o conceito de Indústrias Criativas recebe notável atenção, resultando no surgimento de diversos modelos de aplicação com segmentos distintos. Contudo, é importante ressaltar que não existe um modelo definitivo, visto que, cada modelo traz uma compreensão específica.
Um desses modelos de aplicação foi introduzido em 2004, na XI Conferência Ministerial da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). Indústrias Criativas foi definido como atividades econômicas que produzem determinado capital simbólico, tendo como base a propriedade intelectual. Objetivando, assim, expandir a concepção de indústrias criativas e estabelecê-las como um instrumento sólido na estrutura econômica do país. A classificação da UNCTAD divide as indústrias criativas em quatro grupos centrais, que, por sua vez, são divididos em grupos periféricos. Sendo eles: Patrimônio (engloba Expressões culturais tradicionais e Locais culturais), trabalhado nesta pesquisa; Artes (inclui Artes visuais e Artes cênicas); Mídias (contém Editoras/Mídia impressa e Audiovisual); e por fim, Criações Funcionais (Design, Novas mídias e Serviços criativos).
"Economia Criativa é o negócio das ideias – o meio através do qual novas ideias e invenções são comercializadas e vendidas. Consiste em todos os atos criativos em que o trabalho intelectual cria valor econômico." (Howkins, 2013)
No Brasil, conceito e prática enfrentam desafios no que tange à gestão do capital humano, ao desenvolvimento e aquisição de tecnologia, implementação de modelos de negócio e registro de propriedade intelectual. Apesar dos entraves efetivos na compreensão da importância da valorização da cultura, na implementação de políticas públicas efetivas, nos diagnósticos dos territórios e das manifestações, no fomento de processos criativos e de inovação e na proteção intelectual, as experiências baseadas nos princípios da Economia Criativa vêm se consolidando, transformando vidas, impactando o ambiente e atribuindo um sentido distinto ao diálogo da economia com a cultura e às relações de trabalho que movimentam.
Ana Carolina Oliveira Caldeira, Jessica Raiane Sousa Barbosa, Joyce dos Santos Silva, Marcus Vinicius Souza Oliveira, Rangel Oliveira Sampaio Rocha, Ruth Damasceno de Miranda e Tamires dos Santos Barreto, estudantes do curso de Publicidade e Propaganda da UFOB/Samavi. Atividade interdisciplinar dos componentes Fotografia, ministrado pelo professor Nelson Soares, e Economia Criativa, pela professora Natacha Stefanini Canesso.
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WEBSITES CONSULTADOS
REFERÊNCIAS
HOWKINS, John. Economia criativa: como ganhar dinheiro com ideias criativas. São Paulo: M.Books do Brasil, 2013.
REIS, Ana C. F. (Org.). Economia criativa como estratégia de desenvolvimento: uma visão dos países em desenvolvimento. São Paulo: Itaú Cultural, 2008.
UNCTAD. Relatório de Economia Criativa 2010. Nações Unidas, 2010.
WOOD JR., Thomaz; BENDASSOLLI, Pedro F.; KIRSCHBAUM, Charles; PINA E CUNHA, Miguel (Coord.) Indústrias criativas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2009.
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