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  • Thainá Monteiro e Sinara Souza

Cura e fé: tradição e sobrevivência das benzedeiras


Dona Iracema, benzedeira e parteira pernambucana de 74 anos radicada em Santa Maria da Vitória (BA). Foto: Thainá Monteiro

 

É inerente ao ser humano a criação de laços com o sagrado e o espiritual em busca de alcançar bênçãos e respostas às suas indagações através de preces e orações. Esta prática está intimamente ligada aos rituais de benzeção, o que não se sabe ao certo é quando isso começou a fazer parte dos hábitos das pessoas, no entanto, há relatos que na Idade Média já existiam costumes semelhantes que, caso não fossem reconhecidos pela Igreja Católica, eram perseguidos e punidos pelo Estado.

Plantas medicinais
Plantas usadas por dona Iracema: mastruz, hortelã-grosso, capim-santo e pinhão roxo. Fotograma de vídeo

Estima-se ainda, que no Brasil tais hábitos surgem em meados do período colonial que, devido à falta de médicos, mulheres entendidas sobre ervas e práticas medicinais começaram a aliar tais conhecimentos empíricos às suas orações, a fim de curar males cotidianos e enfermidades que devastavam seus familiares. Tais costumes advêm de influências da cultura africana e dos saberes empíricos aborígenes sobre o ecossistema brasileiro e suas práticas de cura, mesclada com a religiosidade portuguesa.

Dessa forma, a ação de benzer está profundamente conectada com as experiências e conhecimentos sobre a natureza e às diferentes concepções religiosas. Logo, essa prática se origina das rezas do catolicismo oficial, as quais resultam nas orações populares, a fim de tratar males por meio das forças que portam as palavras sacras. Nesse cenário, essa tradição permanece até os dias atuais, sendo possível encontrar em diversas cidades do Brasil pessoas que praticam este ato de benzeção.


O dom de benzer: memória e tradição oral

O ato de benzer faz parte da cultura popular, pois, como já comentado anteriormente, essa prática advém da necessidade da população em utilizar seus saberes para curar males de pessoas, principalmente de seus familiares. Essa atividade advém da experiência de povos com práticas religiosas do catolicismo popular entrelaçado com o catolicismo oficial, pois, como disserta Suess (1979, p. 26), “os traços culturais próprios do seu meio nem sempre são idênticos aos conceitos e à doutrina do catolicismo oficial.” É por meio da religião que as pessoas constroem relações e vínculos, vivem experiências do próximo, se descobre e se apoiam coletivamente. Tais costumes incrementam o que se entende por cultura popular, visto que todos os saberes concebidos neste meio social se manifestam através de uma relação popular multifacetada.

Santa Maria da Vitória, cidade localizada no Oeste da Bahia, é um local que ainda reside pessoas que carregam essa tradição e resistem aos preconceitos praticados por uma parcela da população. Dona Iracema, uma senhora de 74 anos, moradora de Santa Maria, é um bom exemplo disso. Ela começou a aprender a rezar quando ainda era criança, por volta dos sete anos de idade, com o incentivo do pai Manoel Severino, popular Mestre, que também era benzedor.

Dona Iracema, conta que se interessou pela prática porque via as pessoas sendo muito agradecidas ao seu pai pelos serviços que ele prestava a comunidade em que eles moravam. A partir de então ela começou a aprender as rezas para os diversos males, e hoje é uma das benzedeiras mais procuradas na cidade.

Para Dona Iracema benzer é um ato divino e ela é usada somente como um mediador nesse processo, pois segundo ela “não sou eu quem faço a cura, quem faz é Ele”. E completa: “eu não tenho o poder, mas Deus tem”. Essa consciência de que ela apenas intermedia a cura dos males advém de um entendimento que as rezas e orações funcionam como pedidos realizados por ela à Deus, e isso está intimamente ligado ao fato do ser humano sempre buscar construir essa relação com o mundo espiritual em busca de ajuda e agradecimento.


 

Thaina Monteiro e Sinara Souza, estudantes do curso de Pubicidade e Propaganda da UFOB/SAMAVI.


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REFERÊNCIAS

DA CUNHA, Lidiane. Saberes e religiosidades de benzedeiras. Anais dos Simpósios da ABHR, v. 13, 2012.

OLIVEIRA, Elda Rizzo. O que é benzeção. São Paulo: Brasiliense; 1985.

QUINTANA, Alberto. Manuel. A Ciência da benzedura: mau-olhado, simpatias e uma

pitada de psicanálise. São Paulo: EDUSC, 1989.

SUESS, Guenter Paulo. Catolicismo popular no Brasil. São Paulo: Loyola, 1979.




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