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  • Francisco dos Santos (Chiota)

A história do São João de Barra (BA)


Frame de filme do São João de 2014, feito por Rui Rezende.

 

Uma rápida pesquisa nos sites específicos e ficamos sabendo que os festejos juninos serviam para comemorar as fartas colheitas, em alguns países europeus, principalmente na França. As quadrilhas eram dançadas em volta das fogueiras para esquentar o frio, e todos os camponeses da redondeza participavam com pequenas quantidades do que colhiam em suas propriedades, e assim, todos se divertiam , comendo e bebendo a noite toda. Tais festejos, por serem realizados no dia de São João, recebiam o nome de festas joaninas, numa referência àquele santo. Com o passar do tempo, a Igreja adotou tais festas que passaram a acontecer, também, nos dias de Santo Antônio e São Pedro, todas no mês de junho, daí o nome “festas juninas”.

Os portugueses, quando vieram para o Brasil, trouxeram consigo tais costumes, sendo que as festas juninas se espalharam por todo país, mas se firmaram com maior ênfase no nordeste brasileiro.

Na Barra, as fogueiras datam do século XVII e eram instaladas nas portas das casas com galhos de pajeú, ornamentados com muitas frutas (laranja, lima, coco), bebidas (cachaça, licor, vinho, aluá, quentão), cana-de-açúcar, rapadura, e até dinheiro!!

Por outro lado, a população mantinha a tradição da chamada “comida de fogueira”, essa expressão significa dizer que grupos de homens e jovens disputavam as sobras alimentícias das fogueiras alheias. Os donos eram pegos de surpresa e a fogueira era derrubada sem a sua tradicional queima.

Naquela ação, os bairros do município se organizavam em grupos que fabricavam seus busca-pés e saíam, à procura de fogueiras, principalmente as mais tradicionais e providas de boas prendas. Parte do grupo se preparava para avançar, ou seja, atacar a fogueira, retirando dela tudo que fosse possível e a outra parte dava cobertura tocando busca-pé, em volta do fogaréu, queimando quem não fosse do seu grupo e que tentasse participar da comilança. Quando dois, ou mais grupos, se encontravam numa mesma fogueira, ali se travava uma verdadeira batalha, saindo vencedor aquele que tivesse mais poder de fogo.

Numa dessas disputas, em 1890, o capitão do Exército brasileiro, Dr. Augusto Torres, em visita à Barra, ao assistir tal acirramento, exclamou: “Fogo, assim, eu só vi na tomada do Forte Curuzu, na Guerra do Paraguai”. Dois anos depois, em 1892, surgia o “Forte Curuzu” e, em 1896, foi a vez do “Forte Humaitá”, fundado pela família Meira Lima. O “Riachuelo” foi fundado, em 1910, se não me falha a memória, já o “Ataí”, eu não tenho registro de sua criação e nem do encerramento de suas atividades.


+ DOCUMENTÁRIO

Filme produzido por Vagner Gonçalves Queiroz, para o TCC do Curso de Jornalismo em Multimeios, do Departamento de Ciências Humanas, Campus III, da UNEB Juazeiro (BA).

 

O Forte Humaitá sempre se destacou pela bravura e arrojo de seus “soldados”. Neste 2023, o forte celebra 127 anos de existência, com alguns intervalos, nos anos 40, pela falta de matéria-prima (nitrato de potássio e enxofre) para a fabricação de busca-pés, em função da Segunda Guerra Mundial e, na década de 70, pelas dificuldades financeiras e falta de incentivo do poder público.

Nos anos 50 e 60, o Forte Humaitá promoveu vários desfiles, com muita pompa e muito fogo (busca-pé), com destaque para 1959, quando seu presidente, o Sr. Élcio de Barros Carneiro contratou seis fogueteiros do município, mais um da comunidade do Icatu; dois de Xique-Xique; dois de Pilão Arcado; dois de Paratinga e um de Santa Rita de Cássia para a fabricação de busca-pés, totalizando uma produção de mais de 12 mil artefatos, segundo informações da época.

Saímos com um batalhão de mais de 100 soldados. Fomos insultados pelo nosso inimigo número um, o Curuzu, querendo impedir a nossa passagem pela praça da Bandeira, atualmente, praça Coronel Nizan Guerreiro, o que nos obrigou a declarar guerra ao adversário, encurralando-o num beco, para que a ala feminina e os carros alegóricos passassem. Logo após, fizemos o recuo e continuamos o fogo. Um dos soldados inimigos direcionou o estouro de um dos artefatos para o nosso lado, atingindo o nosso presidente, que disse à tropa: “Estou indo para o hospital, mas não parem o fogo. E assim foi feito!”.

A batalha começou por volta das 22h, do dia 23 e só parou, às 2h do dia 24, por interferência da Igreja. Ao saber que o Curuzu não tinha mais munição (busca-pés), o padre Edilson, que também era adepto daquele forte, mandou repicar os sinos, pedindo paz.

Nos anos 80, mais precisamente em 1984, eu tive a honra de assumir o comando do Forte Humaitá e, com meus recursos, reconstruí a sua sede, fiz grandes desfiles, provoquei os demais clubes a saírem, também. Convenci a TV Aratu, afiliada da Rede Globo, à época, a fazer a cobertura do desfile de 1985, que foi veiculado no programa Fantástico, daquele ano. Junto ao presidente do Curuzu, convenci o prefeito João Camandaroba a destinar uma verba para os clubes juninos, pois, a partir daquele ano a festa deixou de ser dos clubes e passou a ser do município.

Alan Kleber e seu pai, Chiota, memória da tradição cultural junina do município de Barra. Foto: Acervo Pessoal de Chiota.

Nos anos seguintes, enfrentei grandes dificuldades, pela falta da taboca taquari (Bambusoideae), outra matéria-prima para o fabrico dos busca-pés. Entretanto, numa troca de bobina do Telex[1], do Banco do Brasil, ao observar o tubo que recebia o papel, tive um “estalo” e ali eu encontrei a solução para o referido problema. Se não fosse esse “insight”, não seria possível fabricar os busca-pés e, consequentemente, a Barra perderia a sua festa, visto que a taboca estava em extinção, não só nesse local, mas, em toda região. Aquele tubete é usado até hoje por todos os fortes e tem facilitado a vida dos fogueteiros, porque tem bitola única.

Mais tarde, fiz a substituição da corda de sisal, encerada com cera de abelha, pelo barbante de algodão - observem a minha preocupação com a natureza, ao usar produtos renováveis. A partir do ano de 2013, procurei amenizar o sofrimento dos fabricantes do artefato, mecanizando o processo de fabricação da pólvora, usando uma galga (moinho) e, para confeccionar os busca-pés, o soquete e o macete foram substituídos pelo martelete elétrico, num processo vibratório, tornando aquele labor mais produtivo e seguro. Essa é a minha contribuição para as festas juninas de Barra, em especial, para o seu São João, um legado que precisa ser divulgado para as próximas gerações .

Barra, junho de 2023.


 

Francisco dos Santos (Chiota), nascido em 1950 na Barra, filho de Balduino Francisco dos Santos e Altina Cruz dos Santos, décimo segundo de 14 irmãos. Estudou Contabilidade no Diocesano Cristo Rei e Magistério, no Elysio Mourão (atual sede do campus da UFOB), ambos em Barra. Também se formou em Agronegócio e Fruticultura pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural-SENAR. Trabalhou no Banco do Brasil e morou em vários lugares da Bahia, bem como em Sergipe, Pará e Piauí. Voltou para a Barra em 1984 onde vive até hoje. É um apaixonado pelo Humaitá, clube que presidiu nove vezes.

Colaborou a Profª Drª Terezinha Oliveira Santos, docente da UFOB, campus Barra.


Nota

[1] Telex é um sistema internacional de comunicações escritas que prevaleceu até ao final do século XX. Consistia numa rede mundial com um plano de endereçamento numérico, com terminais únicos que poderiam enviar uma mensagem escrita para qualquer outro terminal.





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