top of page
IMG_9379.jpg

CULTURA E IDENTIDADE NO CONGADO DE TAGUÁ

por Rafael Petry Trapp e Grazieli de Jesus Batista Santana

Expressão da cultura afro-brasileira, essa tradição de identidade negra foi introduzida pelos escravizados em meados do século XIX.

Abertura

Vamos para o céu, meu Deus
Vamos para o Bom Jesus,
Vamos para o céu, meu Deus
Vamos ver o Bom Jesus”.

"

O festejo do Congado, também conhecido como Reinado, é uma tradicional expressão cultural afro-brasileira que mescla influências ibéricas com elementos de culturas africanas em homenagem a santos de devoção negra, especialmente Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, e constitui uma face importante do catolicismo popular no Brasil e das lutas pela dignidade humana nos diferentes contextos de enfrentamento da escravidão.

 

Encontradas sobretudo em regiões marcadas historicamente pela colonização portuguesa e pelo trabalho escravo e que conservaram forte população negra como em Minas Gerais, Pernambuco, Vale do Paraíba, Goiás e também na Bahia (ainda que surpreendentemente em menor número nesse estado), as coroações de reis congos originaram-se geralmente no âmbito das irmandades católicas de homens pretos e pardos, que ao menos desde o século XVII costumavam realizar festejos em que formas europeias de organização materializavam e faziam circular heranças religiosas e características culturais africanas.

 

Às margens do Rio Grande, mais especificamente no distrito de Taguá, em Cotegipe, a tradição do Congado se mantém há séculos como uma das mais bonitas e elaboradas práticas da cultura popular e da identidade negra do Oeste baiano. Segundo relatos de participantes do festejo, o Congado foi introduzido na comunidade nos tempos do antigo município de Campo Largo (que tinha sede no Taguá, até 1925) por africanos escravizados e continuado por seus descendentes, possivelmente a partir de meados do século XIX. A festa teria se originado em graça da descoberta, por uma cativa, de uma imagem de Nossa Senhora do Rosário nas águas turvas do rio. Na região Oeste, além do Taguá, o Congado também acontece ainda hoje em Angical, e há registros de ter existido na cidade da Barra, sob o nome de Cacumbis do Rosário.

 

Sempre entre os chuvosos dias 25, 26 e 27 de dezembro, o Rei Congo, a Rainha Perpétua, os reis e rainhas do ano, os capitães, os contraguias, os dançantes, os marujos, homens e mulheres de localidades do Oeste baiano como Jupaguá, São José do Norte, Araxá, Cotegipe, Riachão das Neves e Barreiras se envolvem pelas ruas do povoado exaltando o culto à Nossa Senhora do Rosário e ritualizando a eleição simbólica das realezas populares entronadas no mandato do Rei Congo e da Rainha Perpétua, autoridades que têm cargos vitalícios. O colorido e animado cortejo tem seu ritmo ditado pela caixa, e é acompanhado por tamborinas e pandeiros. 

 

No dia 25, à noite, depois da Novena, a festa começa na procissão do Mastro, que é levantado em frente à Igreja Matriz de Santana (uma das mais antigas igrejas do Oeste). No dia 26, o festejo prossegue com a Marujada, que às 5 da manhã chega pelo Rio Grande até o Cais, onde os marujos são recebidos com foguetórios e por uma dramática encenação de lanceiros. Em seguida, os congadeiros se dirigem à Casa da Festa, onde o povo se reúne para dividir o alimento que marca a fartura da vida e fornece a energia para o ponto alto da festa, que é o cortejo do Congado até a Igreja, onde finalmente é realizada a missa em honra de Deus, de Nossa Senhora do Rosário e da fé dos moradores do Taguá. No dia 27, ocorre a despedida do festejo, momento em que os participantes do Congado vão de casa em casa em sinal de respeito e agradecimento, renovando os laços comunitários e a irmandade sagrada para o próximo ano.

 

A seguir, apresentamos imagens e relatos do Congado que foi realizado em dezembro de 2021. Esse trabalho de pesquisa histórica e registro fotográfico foi apoiado pela PROEX-UNEB. A divulgação de entrevistas foi formalmente autorizada pelos depoentes.
 

Procissão do Mastro animada pela Caixa, Tamborina e Pandeiro. Fotos: Rafael Trapp. em 25/12/2021

É uma emoção de gratidão, de dever cumprido. Uma responsabilidade que a gente assume, e quer ver e resolver da menor maneira possível. [...] A gente deseja que o outro ano, se Deus quiser, que possa todo mundo estar com saúde, em paz, pra continuar. É uma coisa que, quando tá chegando perto, a gente tem o pensamento ali, pra poder correr tudo bem e dar certo”.

"

 

Omar Rocha (“Nino” - Capitão Mandante)

Marujada no rio Grande, dançantes e rainha do ano. Fotos: Rafael Trapp. em 26/12/2021

Eu sinto bem, parece que eu sinto uma coisa tão maravilhosa. Eu tenho prazer de ser uma Rainha Perpétua, e quando chega perto da festa, se eu tiver doente, [se] minha cabeça ainda mexe, [...] Jesus sempre me ajuda, e Senhora do Rosário, minha Mãe, que no dia estou lá, tô aí, tô acompanhando. Enquanto eu puder caminhar, eu tô acompanhando o Reinado”.

"

 

Galdina de Brito (Rainha Perpétua)

Rainha Perpétua e sua coroa na igreja matriz de Taguá, Rainha do Ano, Rei Congo, lanceiro e dançantes. Fotos: Rafael Trapp. em 26/12/2021

É uma emoção muito forte, porque você tá fazendo aquilo que você gosta. [...] Eu faço aquilo ali com perfeição. Eu tenho amor a Nossa Senhora do Rosário, eu reconheço o resto dos soldados que tá ali junto de mim, porque ali é uma proteção de um para o outro. Então a gente faz aquilo ali com muito orgulho. [...] Pra deixar o Congado, só vai depender de Deus, porque enquanto eu puder acompanhar ele, eu to dentro. Eu entrei pra ficar. Eu sei que Deus me quer lá dentro, junto”.

"

 

Adéliton Lopes (“Major” – Dançante)

Dançantes, Capitão da Bandeira, Caixeiros e populares assistem a Dança de Facões e missa do Congado. Fotos: Rafael Trapp. em 26/12/2021

Eu, pra mim, que eu tenho uma asa. A minha emoção é uma asa que tá me carregando. Não é eu que tô caminhando. É a sensação e a emoção que eu tenho. [...] Vou batendo a asa, as asas que vão me levando, de tanta alegria que eu vou, em Trindade, divino Pai Eterno”. 

"

 

Isabel de Souza (“Isabelinha” – Dançante)

Irmandade do Congado. Foto: Rafael Trapp. em 26/12/2021

+

REFERÊNCIAS

SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista: história da Festa de Coroação de Rei Congo. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2014.

Rafael Petry Trapp, professor do IFTO e docente do PPGCHS-UFOB.

Grazieli de Jesus Batista Santana, licenciada em Pedagogia pela UNEB, trabalha como coordenadora pedagógica e psicopedagoga.

bottom of page