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O BORDADO DA

RESISTÊNCIA

Exposição “Arpilleras, atingidas por barragens bordando a resistência” mostra a luta e  os enfrentamentos das mulheres no cerrado do Oeste da Bahia.

Abertura
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por Ianna Falcão Teixeira

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), juntamente com o Centro Multidisciplinar da UFOB em Santa Maria da Vitória (CMSMV), realizaram na Semana de Integração Universitária, dos dias 13 a 17 de março de 2023, a exposição “Arpilleras, atingidas por barragens bordando a resistência”. A mostra contou com dezessete peças, sendo onze delas construídas no Oeste da Bahia. Além da mostra, aconteceu também roda de conversa, exposição de filme (link abaixo) e oficina de Arpillera.

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Originária do Chile, a Arpillera é uma técnica têxtil antiga realizada por mulheres, construída a partir da costura de retalhos de tecidos sobre a juta (fibra têxtil vegetal). Ela surgiu como fonte de sobrevivência e como denúncia da opressão militar chilena, que foi um dos períodos mais sangrentos da história do país. Aqui no Brasil, as mulheres atingidas por barragens adotaram essa prática e, desde então, com linha e agulha na mão, vem denunciando as construções e ameaças das PCHs, do agronegócio, do patriarcado, etc.

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Diante disso, março foi o mês ideal para essa exposição, lembrado por todos como mês da mulher, março é principalmente um mês de luta, no dia 14 é celebrado o dia internacional de lutas contra as barragens.

 

As Arpilleras é a expressão disso, é a luta das mulheres pelos seus direitos, contra a violência, contra a opressão, pela igualdade e pela vida.

Arpillera produzida pelas atingidas do oeste da Bahia.

A vida afogada

As atingidas trouxeram nessa arpillera, de uma parte, as coisas positivas da vida na sua comunidade: atividade de lazer e diversão representadas no campo de futebol e a praça, vida comunitária ao redor da igreja com reuniões, cultos e festas, o caminhão representando a produção agrícola e o rio, livre de barragem, está cheio de peixes. Em outra, o sentimento de incerteza na vida delas, e medo de perder tudo, pela situação de ameaça em que vivem. O relatório do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH, 2010), destaca a falta de informação qualificada como um dos principais fatores causadores das violações posteriores de direitos das populações atingidas posteriores de direitos das populações atingidas por barragens. Além disso, a falta de informação da barragem traz violações de direitos antes mesmo do começo das obras pela insegurança que causa quanto a continuidade da vida.

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Arpillera produzida pelas atingidas do oeste da Bahia.

A justiça contra as camponesas

O relatório do Conselho de Defesa de Direitos da Pessoa Humana (CDDPH,2010) constatou que a violação do direito à justa negociação e tratamento isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados, é sistematicamente violado nos processos de construção de barragens no Brasil. Para as mulheres que confeccionaram esta arpillera as barragens são nocivas às comunidades e às pessoas mesmo antes de serem construídas: “Só o fato de serem anunciadas já traz desassossego a todos”. Elas representam as ameaças aos trabalhadores e assédio de todas as formas para que vendam suas propriedades, assim como o uso de meios truculentos e coercitivos por parte das empresas. “A empresa desrespeita os camponeses, os denunciando à justiça e exigindo por força de liminar que seja permitida a entrada nas propriedades para fazerem os estudos prévios para construírem as barragens. Com o uso de forte aparato policial para entrega de intimações. Muitas mulheres foram intimadas, sobretudo idosas e com saúde fragilizada, causando um forte abalo emocional”.

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Arpillera produzida pelas atingidas do oeste da Bahia.

Juntas somos fortes

A arpilleira Juntas Somos Fortes expressa o cotidiano das mulheres que são responsáveis pelo cuidado da casa, dos filhos e contribuem com o trabalho na roça, na peça é a primeira mulher com o filho ao lado e a trouxa de roupa pra lavar na cabeça. O círculo de mulheres são nossas reuniões, os espaços auto organizados onde discutimos nossos problemas e pensamos táticas de enfrentamento, para ter coragem e força precisamos cuidar uma das outras, mas antes de tudo é preciso o auto cuidado e o auto amor. A mulher no escalda pés simboliza o autoconhecimento e valoriza os conhecimentos ancestrais, das mulheres que vieram antes de nós. Depois de um dia de labuta, ou nas caminhadas, nas mobilizações de rua, nos enfrentamentos a prática do escalda pés alivia as dores, o cansaço, melhora a circulação e nos fortalece enquanto indivíduos para seguir construindo com coragem e energia as lutas coletivas.

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Arpillera produzida pelas atingidas do oeste da Bahia.

Resistência, liberdade

"A nossa Arpilheira representa Denúncia, Resistência, Grito por Liberdade, lutas, Desafios e Conquistas". Ela representa Identidade. Denunciamos o Machismo e a violência doméstica: basta dessa cultura partriacal que nos ameaça e faz jorrar sangue. Basta de nos maltratar e matar.  Gritamos não ao sistema patriarcal, ou eles vão nos exterminar. A mulher, o fruto da terra, que gera vida, um ser de luz. Queremos nossa autonomia para ocupar os nossos espaços. Somos o que queremos e podemos sim assumir os diversos papéis sociais e profissionais na sociedade. Mulheres na Luta: é neste espaço que estamos e conquistamos muito até aqui. Precisamos continuar a nossa caminhada. Nosso lugar não é na "beira do fogão" ou sendo "ESCRAVAS" Domésticas. Nosso lugar é onde queremos estar, construindo a transformação da sociedade. Nos pertencemos e queremos viver. "Somos muitas mulheres dentro de uma só" e é essa união que nos faz mais fortes. Protegemos umas às outras contra essa sociedade patriarcal. É preciso lutar para conquistar nossos espaços! É preciso dizer NÃO a esse sistema cruel!

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Arpillera produzida pelas atingidas do oeste da Bahia.

O preço da luz é um roubo

As atingidas trouxeram nessa arpilleira algumas situações como o aumento da conta de energia, gás de cozinha, entre outros. Em meio tudo isso podemos perceber a volta da pobreza na sociedade devido o aumento dos preços dos alimentos e outros itens básicos. Através das imagens mostram de forma explícita casas com candeeiro, demonstrando a falta de acesso e o alto preço da energia. A panela no fogo a lenha tem o intuito de ressaltar o preço alto do gás de cozinha. A mulher dando o alimento a outra pelo fato da pobreza estar voltando a assolar a sociedade. Os postes de energia com símbolo do dinheiro demonstram os lucros extraordinários que as empresas têm com a superexploração do povo brasileiro através da tarifa de energia.

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Arpillera produzida pelas atingidas do oeste da Bahia.

A luta garante a vida

As mulheres atingidas representam nessa arpilleira a vida nas comunidades, demonstrando através da escola, posto de saúde, manifestações culturais, acesso livre ao rio e a natureza, a produção de alimentos agroecológicos representada pela tecnologia social PAIS e as ameaças além das barragens que atingem diretamente as comunidades. Ao lado esquerdo da parte superior, as mulheres retratam o conflito com a fazenda Igarashi ocorrido em 2017, onde ribeirinhos se levantaram contra a superexploração das águas da região. As famílias atingidas vivem em constante ameaças pelas construções de barragens e pelas empresas do agronegócio que roubam terra e água para garantir a produção do agronegócio e ameaçam seus modos tradicionais de vida.

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Arpillera produzida pelas atingidas do oeste da Bahia.

Pela vida das mulheres

Na arpillera “Pela vida das mulheres” as mulheres trazem os bons ventos na américa do sul com a vitória de governos progressistas, a luta feminista na América Latina, a organização das mulheres em defesa da democracia e um projeto libertário para a grande pátria. As faixas representam as manifestações realizadas no ano de 2022, ressaltando a necessidade de garantir a vitória eleitoral de Luís Inácio Lula da Silva, pois o que está em jogo nessas eleições é a democracia versus o fascismo. Na peça também denunciamos o aumento da violência contra as mulheres durante o governo de Bolsonaro e reforçamos a importância em defender o SUS, principalmente na conjuntura pandêmica e pós pandêmica. O verde representa a defesa da vida, da reconstrução e o esperançar de dias mulheres/melhores e o mapa do Brasil em vermelho representa a origem indígena da palavra Brasil que é “vermelho como brasa.”

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Arpillera produzida pelas atingidas do oeste da Bahia.

A luta é feminina

A participação política das mulheres é imprescindível para a transformação da sociedade. Nessa arpillera trazemos a participação das mulheres nas associações, sindicatos, movimento social, especificamente o MAB e igreja. A participação nesses espaços foi conquistada através de muitas lutas e precisamos seguir organizadas para ocupar outros espaços de decisão e poder. Retratamos na peça que a participação das mulheres no congresso nacional é pequena, a grande maioria dos parlamentares são homens e não pensam em políticas para as mulheres, pelo contrário, fortalecem a estrutura patriarcal. A segunda boneca na parte superior da peça, aparece amordaçada, ao lado da estrutura que representa o congresso, representando a ausência e o silenciamento das mulheres no parlamento. Ao levantar esse tecido encontra-se o símbolo masculino, representando que o espaço é composto por homens.

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Arpillera produzida pelas atingidas do oeste da Bahia.

É preciso abrir os olhos

A presente arpillera mostra uma fazenda de agronegócio sobre a cabeceira de um rio e os impactos que ela causou, como o desmatamento e a morte da principal nascente do Rio Riacho do Meio. Ela traz também a chegada do Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB, e a partir disso, a organização e conscientização das pessoas dessa comunidade que agora está atenta às ameaças e as violações de direitos.

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Arpillera produzida pelas atingidas do oeste da Bahia.

A mulher atingida e o trabalho

Na arpillera “A mulher atingida e o trabalho” nós trazemos o dia a dia das mulheres em suas propriedades. A agricultura é um dos principais meios de garantir a subsistência em nossas comunidades e nós mulheres somos as responsáveis pelos trabalhos em torno das nossas casas, nas hortas, roças, na criação de pequenos animais e no beneficiamento dos produtos. O rio presente na peça representa o rio que passa na nossa comunidade e é responsável pela existência da vida, da produção e do lazer.  A peça traz o pilão que é o instrumento que utilizamos para beneficiar o arroz, pisar o arroz para tirar as cascas e a casa de farinha, uma estrutura que é comum nas nossas comunidades para realizar o beneficiamento da mandioca, o beneficiamento é executado coletivamente. É o momento de trabalho, produzir o beiju, farinha e polvilho que usaremos durante o ano e venderemos o excedente pra complementar a renda, mas também a casa de farinha é um local de trocas de experiências, de bate papo e descontração entre homens, mulheres e crianças, é onde ficamos sabendo das “noticias” da comunidade.

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Arpillera produzida pelas atingidas do oeste da Bahia.

Trabalho e realidade

Nessa peça retratamos o nosso dia a dia através dos seguintes elementos: Casa de farinha: onde mulheres trabalham fazendo farinha, tapioca (polvilho), beijú de massa. Casa: representa os ribeirinhos e nossa casa, onde trabalhamos... na roça, cuidamos de galinhas e criações em geral. Coqueiro: representa a cidade, que se chama Cocos, e nossos quintais. Carro de boi: para pegar capim, pegar lenha para cozinhar, carregar água quando falta, levar para a feira melancia, abóbora, etc. Verduras e árvores representam tempo chuvoso.

Árvores secas representam o tempo seco, que é o maior tempo. Rio: No tempo chuvoso fica verde e na seca fica tudo seco. Água e peixe no rio só na chuva. Sol: maior responsável pela seca. Fogão a lenha: ainda ativo nas casas da comunidade.

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Arpilleras brasileira, Coletivo Nacional de Mulheres do MAB, 2014.

Afogadas pelo modelo energético

O atual modelo energético brasileiro, que segue lógica: energia= mercadoria, visa obter o máximo de lucros para as empresas. Quem paga a conta são as famílias brasileiras, hoje, a sexta tarifa mais cara do mundo, sendo que a maior parte da energia elétrica produzida no Brasil é hídrica, a mais barata de produzir. As empresas privatizam o rio, transformando-o em lago, para produzir energia, privando as famílias do acesso. Os direitos das populações atingidas são vistos como custos a serem reduzidos, quando são indenizadas, reconhecem no homem o direito de proprietário, invisibilizando o trabalho da mulher. De outro lado, as mulheres organizadas fazem a luta pelos direitos de toda a família, e mesmo com a repressão da polícia seguem firmes na luta popular. As linhas de transmissão de energia que cortam as terras lembram constantemente a angustia dos atingidos, que por muitas vezes se sentem enforcados pela barragem, afogados por este modelo energético. O sol representa a esperança da luta do MAB.

A paz que nós lutamos

“Nesta arpillera trazemos as questões que nos afetam diariamente, como a falta de acesso à energia. Muitas famílias do Vale do Ribeira vivem ainda com a iluminação a base de vela, e as linhas elétricas mesmo estando perto não chegam às nossas casas. Denunciamos também a precariedade da saúde, das estradas e dos transportes escolar para as crianças, e a falta de creche municipais que não existem ou funcionam em situações precárias. Outra coisa são as situações das enchentes que ocorrem frequentemente e nós não temos nenhum auxilio, lembrando que ainda não tem barragem no rio Ribeira, imagina se tivesse?”. A longa história de luta da região, das comunidades quilombolas, pelo reconhecimento e titulação da terra, e das populações atingidas e ameaçadas por barragens e representada pelas plaquinhas “não às barragens”. “MAB”, “direitos já”.

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Arpillera paulista, atingidos do Vale do Ribeira, 2014.

A DUPLA VIOLAÇÃO DO TRABALHO DAS ATINGID

Arpillera brasileira, Coletivo Nacional de Mulheres do MAB, 2014.

​A dupla violação do trabalho das atingidas

Esta arpillera mostra que existe violação do trabalho das mulheres atingidas antes e depois da construção da barragem UHE Irapé. As mulheres são representadas trabalhando, seja na pesca, casa, extrativismo, na lavoura, não sendo reconhecidas como atividade laborativa, mas sim como ajuda. No outro lado, um homem e uma mulher buscam na lembrança, os recursos dos quais, outrora, tiravam o sustento da família. As Mulheres perderam as vazantes onde cultivavam hortas, e o seu marido comercializava nas feiras locais, os peixes sumiram do rio Jequitinhonha. Hoje a ÁGUA é impropria para o consumo, as mulheres que lavam roupas no rio adquiriram alergias na pele pela presença do sulfeto, após a barragem. Muitas tiveram que sair da comunidade por não poderem mais trabalhar com a água do rio e por perderem as terras. As mulheres que ficaram contribuem para a construção do Movimento dos Atingidos por Barragens.

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Arpillera de Fortaleza/CE, junho de 2017.

Os impactos da reforma da previdência na vida das mulheres camponesas

Os quatro cantos representam a perspectiva das mulheres atingidas cearenses sobre a reforma da previdência. Que se veem na condição de ter que trabalhar muito mais para contribuir, sendo que os lucros para as empresas só aumentam, enquanto elas estão fadadas a morrer sem usufruir da seguridade social. A peça também apresenta a oposição em relação à situação de trabalho nos territórios e a importância da construção do feminismo.

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Arpillera gaúcha, Erechim, RS, julho de 2017.

O petróleo é nosso

​As atingidas pela barragem de Itá/RS expressaram a disputa pelos recursos do pré-sal brasileiro que estão em jogo no processo de privatização da Petrobrás. Recordando a necessidade defender a empresa estatal pública com a discussão do uso desses recursos para saúde, educação, em prol do povo brasileiro. Assim deixam seu chamado: “conclamamos a todas atingidas e atingidos de todo o Brasil para construirmos juntos esses projetos em defesa da soberania e da justiça social”, para a construção do “projeto popular para o Brasil.”

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Sudeste, São Paulo.

Poder popular

Esta arpillera retrata a união das mulheres trabalhadoras simbolizando a força das mulheres na derrubada do capitalismo e do patrão. As mulheres imbuídas dos seus direitos, organizadas nos diversos setores, tomam o BRASIL, tendo consciência de que produzem, consomem e contribuem para o avanço do PAÍS na construção do poder popular. A unidade de classe trabalhadora tomando as ruas com muito empoderamento é o que vai garantir a transformação na sociedade, garantindo os direitos para quem de fato precisa.

Ianna Falcão Teixeira é estudante do 6º período do curso de Artes Visuais da UFOB Samavi e componente da coordenação do Oeste da Bahia do MAB.

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