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Fernanda Libório Ribeiro Simões

Direito à memória: arqueologia e reinvindicações no Oeste da Bahia

RELATO SOBRE PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS APRESENTA REFLEXÕES SOBRE O QUE ISSO REPRESENTA PARA AS COMUNIDADES NATIVAS DESSES ESPAÇOS.


Pinturas rupestres no Sítio Gruta das Pedras Brilhantes. Foto Almir Brito Junior, 2016.


 

Ao receber o convite do professor Cícero Félix de Sousa para compartilhar um pouco das pesquisas arqueológicas no Oeste da Bahia, achei interessante abordar os nossos resultados iniciais a partir de uma outra ótica: as questões dos moradores das imediações dos sítios arqueológicos. Qual o potencial arqueológico da nossa região? Quais são as problemáticas que as pessoas que convivem diariamente com os sítios arqueológicos demandam dos pesquisadores? Quais os possíveis usos interpretativos de nossas pesquisas? Haverá alguma contribuição de fato para essas comunidades?


Para responder a essas questões, peço licença para explicar a minha trajetória na Arqueologia, a mudança para Barreiras (BA), o início dos trabalhos na UFOB, o contato com os moradores de São Desidério (BA) e de Bom Jesus da Lapa (BA) e uma breve caracterização dos contextos arqueológicos nessas localidades.



 

As águas que me trouxeram

Sou soteropolitana e para entender minha família é importante saber que estamos espalhados pelo Brasil e somos oriundos de diferentes contextos. O ramo materno é de Remanso (BA), no médio Rio São Francisco, com ramificações em São Raimundo Nonato (PI). Desde sempre, a relação com o passado sempre foi um valor muito caro, passando pela identidade ribeirinha até o acompanhamento das pesquisas realizadas no Parque Nacional da Serra da Capivara. Os vapores do Rio São Francisco eram o cenário de inúmeras histórias familiares. A carranca vampiresca é presença quase obrigatória na residência de todos os nossos parentes.


O ramo paterno se divide entre a cidade de Santo Amaro da Purificação (BA), no Rio Subaé que deságua na Baía de Todos os Santos, as histórias sobre a maniçoba, o transporte fluvial e os engenhos da região se misturam nos relatos, um sobrado no Santo Antônio Além do Carmo, próximo à escadaria do Carmo, em Salvador (BA), que acomodava nossa família de quinze pessoas e era voltado para a vida portuária da Baía de Todos os Santos.


Ao decidir o cursar Arqueologia na Universidade Federal de Sergipe, em 2008, me deparei com uma comunidade que se relacionava muito mais com o rio do que com o mar. A própria arquitetura naval tradicional do estado não é pensada em navegação marítima, somente fluvial. No estado de Sergipe, apenas um município possui a sua sede à beira-mar. Através de minha monografia e dissertação de mestrado, trabalhei com sítios em ambiente de grandes dunas, na Foz do Rio São Francisco.


Ao longo de minha pesquisa, aprendi que os grupos indígenas pré-coloniais ou que tiveram efetivo contato com o colonizador ocuparam o território litorâneo de Pirambu e Pacatuba (SE) e dominavam a paisagem e seus recursos ao transitar livremente por um raio de mais de 50 quilômetros. A dinâmica econômica verificada nesses sítios arqueológicos estava diretamente relacionada com os rios que compõem o Baixo Rio São Francisco, com o regime de chuvas e com práticas de resistência à invasão europeia.


Em 2015, fui aprovada no concurso público para a UFOB. Nesse momento, firmo residência em Barreiras, nas margens do Rio Grande, principal afluente da margem esquerda do Rio São Francisco.


Em 2016, com 26 anos de idade, inicio um projeto de pesquisa chamado Arqueologia da Paisagem na Bacia Hidrográfica do Rio Grande e começamos a visitar alguns locais com os bolsistas e voluntários do PIBIC.


Apesar das raízes familiares relacionadas à identidade ribeirinha do São Francisco, a minha área de atuação profissional na Arqueologia sofreu uma mudança intensa ao sair de um contexto litorâneo sergipano para o cerrado baiano. Da restinga ao cerrado, são cerca de 1380 quilômetros, entre os sítios arqueológicos que atuei na minha formação e os que trabalho atualmente, se conectados pelas águas do Rio Grande e Rio São Francisco.


Para tratar de Arqueologia e do Brasil Pré-Colonial, temos que olhar para as águas. Ao contrário do que aprendemos com a geopolítica moderna, os rios não são divisas e sim caminhos. Para pensar o povoamento da nossa região em períodos anteriores ao processo de colonização europeia, devemos voltar nossos olhares ao Rio São Francisco e seus afluentes.



 

O ofício da Arqueologia

Arqueologia, ao contrário do que o senso comum propaga, não trabalha exclusivamente com o passado e nem com sítios grandiosos e monumentais. Nem sempre, o fruto de nossos esforços proverá datações recuadas no tempo ou complexos artefatos exóticos. A prática arqueológica é muito mais próxima da nossa realidade do que muitos podem imaginar.


Arqueologia atua diretamente com os vestígios materiais (Cultura Material) das sociedades humanas, independente da sua cronologia. O potencial da Arqueologia de uma região concentra-se principalmente no seu objeto de pesquisa por excelência: a Cultura Material.

A materialidade produzida ou modificada pela humanidade é entendida como um testemunho involuntário da sua presença no local. Funari (2010), nos apresenta que o testemunho escrito está associado a uma prática deliberada e carregada de ideologia, não sendo possível discutir a maioria da população ou as grandes massas. Pesez (2005), nos indica que para alcançarmos a maior parte da humanidade e o povo propositalmente excluído dos registros oficiais, devemos voltar nosso olhar à cultura material.


O testemunho material involuntário consiste no único meio para alcançar populações ágrafas e comumente exploradas pelas classes dominantes. Fazer Arqueologia também pode ser entendido além da etimologia da palavra (archaios significa passado e logos ciência ou estudo) ao incluir a história desses grupos marginalizados pelos poderosos, podendo ser entendida como uma ciência que estuda os poderes (FUNARI, 2010). Qualquer pesquisa em Ciências Humanas deve refletir sobre o possível uso e impacto de suas produções para o mundo contemporâneo.


A História das comunidades tradicionais e povos originários à oeste do rio São Francisco depende de acervos documentais escassos ou mal conservados, da história oral (com suas limitações inerentes) e das pesquisas em cultura material. Esse fenômeno é plenamente observado quando analisamos as constantes estratégias de tornar invisível a História das comunidades ribeirinhas, negras e indígenas.

Dentre os nossos métodos e técnicas, a famigerada escavação e posterior datação de um sítio arqueológico são essenciais para situarmos o contexto cultural e cronológico, mas não são impeditivos da realização de nossas pesquisas. O primeiro passo de uma pesquisa arqueológica é localizar os sítios. O ato da prospecção arqueológica pode ser realizado de maneira sistemática ou assistemática, dependendo principalmente da quantidade de recursos humanos disponíveis para esse trabalho.



 

O início das pesquisas

Considerando a disponibilidade de recursos humanos, começamos o levantamento de sítios com o apoio dos estudantes de Engenharia Sanitária e Ambiental, Geologia, BI Humanidades e História. Começamos a visitar povoados de Barreiras e São Desidério e começar o contato direto com os moradores do entorno dos sítios arqueológicos.

A partir de 2016, através de contato com o grupo de espeleologia Morceg e com os condutores de turismo de São Desidério foram criadas redes de colaboração em relação ao levamento de sítios arqueológicos e realização de cursos de atualização e formação continuada para a comunidade do entorno.


Em todas as comunidades que visitamos, não foi necessário realizar nenhum tipo de ação educativa para explicarmos o que seria a Arqueologia. Todas as pessoas sabiam exatamente o que estavam fazendo e apresentavam demandas muito claras do que desejam obter através do nosso trabalho.


Em meus anos de atuação acadêmica, essa foi a primeira vez em que não era necessário realizar uma etapa prévia de Educação Patrimonial ao mesmo tempo em que os moradores do entorno do local entendiam o papel da universidade pública como uma prestadora de serviço para o atendimento de suas demandas relacionadas à “descoberta arqueológica”.


Em nosso primeiro ano, localizamos cinco sítios arqueológicos pré-colonias que se conectavam através da hidrografia do Rio das Fêmeas, Rio São Desidério, Rio Grande e Rio Porto Alegre. Foram localizados sítios com presença de registros rupestres, material lítico complexo associado às práticas de caça e/ou agricultura, cerâmica associada à sepultamos e uso cotidiano, sepultamentos a céu aberto, entre outros.

O primeiro sítio arqueológico visitado foi o Sítio Gruta das Pedras Brilhantes (Sítio Grande, São Desidério). Um local com grande sobreposição de pinturas e intensa policromia.


Ainda no ano de 2016, as solicitações de visitas para verificação de áreas para a determinação do potencial arqueológico eram constantes. Dentre elas, fui convidada pelo Prof. Tiago Rodrigues (UFRB, mas na época fazia parte do quadro da UFOB) para participar do projeto Quilombando e conhecer o sítio arqueológico Quilombo Lagoa das Piranhas.


A partir do próximo tópico, irei apresentar um breve resumo dos sítios e das situações e relatos decorrentes do nosso trabalho no local. Os discentes da UFOB que atuaram diretamente em todas as etapas iniciais das pesquisas foram Janaína Almeida Netto (BI Humanidades) e Wesley Silva (Licenciatura em História).



 

Sítio Gruta das Pedras Brilhantes, Sítio Grande, São Desidério (BA)

O Sítio Arqueológico Gruta das Pedras Brilhantes está localizado no distrito Sítio Grande em São Desidério. O terreno pertence ao Senhor Edson Souza, entusiasta da pesquisa arqueológica e valorização do turismo local. O sítio era conhecido como Lapa dos Tapuias, entretanto foi registrado no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA BA00227 e CNSA BA01955) como Gruta das Pedras Brilhantes.

Trata-se de um sítio em abrigo de calcário, com presença de pinturas e gravuras rupestres que apresentam policromia. Os suportes utilizados são as paredes das cavidades, o teto, matacões e grandes blocos desplacados do teto, em ambientes com claridade ou de penumbra. As pinturas são compostas por elementos figurativos como antropomorfos (representações humanas), zoomorfos (representações de animais) e fitomorfos (representações de plantas, como espigas de milho e árvores). Ao longo da superfície, podemos identificar inúmeras lascas associadas a produção de instrumentos plano-convexos com características multifuncionais.


A camada sedimentar do sítio localizada nas áreas abrigadas ou no interior das cavidades demonstram o grande potencial para escavações com boa conservação horizontal, ideal para respondermos questões comportamentais e temporais relacionadas aos antigos indígenas do local.


Ao iniciarmos a visita ao Sítio Gruta das Pedras Brilhantes, o condutor de turismo Juscelino Ferreira e o proprietário do terreno Edson Souza nos questionaram: “O nome Gruta das Pedras Brilhantes sempre ocasionou um aumento das visitações e impactos no sítio. As pessoas querem visitar o local na esperança de localizar pedras preciosas, mas só encontram essa alteração na superfície dos blocos de calcário. Essa alteração é natural ou se é arqueológica? Foram os índios Tapuias que fizeram isso?”


A primeira questão a ser respondida através do nosso projeto de pesquisa foi apresentada pelos moradores. Afinal, o nome do Sítio corresponde a um comportamento dos grupos humanos do passado ou corresponde a um fenômeno natural?


Dentro do imaginário dos moradores, o brilho estaria associado ao suor dos indígenas. Que ao ficarem deitados nas rochas teriam ocasionado uma espécie de polimento. Esse polimento seria verificado na Pedra da Maternidade, em uma das grutas. Esse local estaria associado ao parto das mulheres indígenas, devido a sua morfologia.


Ao analisarmos as gravuras nos blocos com a presença da alteração de superfície, podemos identificar que existe o mesmo polimento em áreas internas das gravuras e em áreas em que, morfologicamente, não seriam passíveis de “encosto para os índios” e sim para um processo de passagem de água em períodos de chuva.

Estrutura do Quilombo Lagoa das Piranhas. (Foto Fernanda Simões, 2016)

Ao levantar essa questão durante a visita dos professores Carlos Costa (UFRB) e Luydy Fernandes (UFRB) ao Sítio em 2007, os mesmos me questionaram sobre a relevância dessa problemática em comparação com outras dezenas de problemáticas apresentadas pela complexidade dos registros rupestres e da tecnologia lítica identificadas. O ato de levantar essas questões e, eventualmente, chegar em uma conclusão pouco contribuiriam para a construção do cenário pré-colonial regional.


Ao refletir sobre os objetivos da pesquisa arqueológica e o fenômeno das pedras brilhantes, decidimos continuar as pesquisas para responder a demanda da comunidade, mesmo que eventualmente indique uma origem natural e não antrópica.


Ainda não finalizamos as discussões sobre o problema de pesquisa que nos foi dado, mas é possível indicar uma origem mista: o polimento era ocasionado por uma ação hídrica ou era relacionado a ação humana involuntária ou voluntária.



 

Sítio Quilombo Lagoa das Piranhas, Bom Jesus da Lapa (BA)

O Sítio Quilombo Lagoa das Piranhas está localizado no Quilombo Lagoa das Piranhas (Portaria INCRA nº 662 de 24/04/2018), na margem esquerda do Rio São Francisco, no município de Bom Jesus da Lapa (BA). O Sítio está registrado como Quilombo de Piranhas no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA BA00466 e CNSA BA01416).


Fomos convidados para conhecer o Quilombo Lagoa das Piranhas em 2016, através do Quilombando, um projeto de extensão universitária fundado em 2016, realizado em parceria entre a Central Regional Quilombola do Território Velho Chico (CRQ), a Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e, incluindo em 2019, a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

Fomos recepcionados por Souza (presidente da associação em 2016) e ficamos hospedados na sua residência. Fomos recebidos com todas a regalias pela senhora Maria das Neves e por sua neta Aline. No primeiro dia, conversei com a senhora Maria das Neves sobre como poderia localizar algum “vestígio dos índios do passado” no local, utilizei aquela linguagem acessível de quando encontramos pessoas que não fazem parte do vocabulário acadêmico. Ela prontamente me respondeu: “Você está procurando sítios arqueológicos? Basta olhar pela janela.” Impressionada com a resposta, indaguei onde tinha aprendido esses termos e Aline me respondeu: “Nossos professores trabalham bastante os achados arqueológicos do Quilombo conosco”.


Mais uma vez, não foi necessário realizar nenhum tipo de ação educativa prévia. As comunidades do oeste da Bahia têm demonstrado plena consciência do que é a pesquisa arqueológica e das informações que podemos obter através dela.


Ao caminharmos pelo Quilombo, prontamente verificamos a grande quantidade de material arqueológico em superfície. Ao conversar com o pai de Aline, Cláudio Pereira da Silva, tivemos acesso ao Laudo Antropológico do Quilombo e levantamento arqueológico realizado pelo Prof. José Pellini (UFMG). Trata-se de um sítio cemitério, com presença de ossadas articuladas e desarticuladas. A distribuição das ossadas está associada à topografia do terreno, sendo facilmente localizadas em áreas de erosão pluvial em aclives do terreno.


Ao conversar com o senhor Souza, recebemos mais uma vez as problemáticas prontas para serem resolvidas através da pesquisa arqueológica. Para a comunidade do Quilombo Lagoa das Piranhas, a Arqueologia deve prestar um serviço e responder a suas perguntas. O senhor Souza nos questionou: “O que queremos saber é se essas ossadas são de quilombolas ou de indígenas”. As suas dúvidas eram baseadas em diferenças de evidenciação do material arqueológico em relação ao processo funerário típico que praticam pela comunidade.


Faiança fina inglesa no Quilombo Lagoa das Piranhas. (Foto Fernanda Simões, 2016)

O Senhor Souza continuou as suas observações ao indicar algumas oposições em relação às ossadas: (1) não perceberam um padrão no enterramento, sendo que o enterramento da comunidade ocorre sempre na posição decúbito dorsal voltado ao leste. As ossadas se apresentavam em posição fetal, decúbito ventral e decúbito lateral, sem um ordenamento da direção do sepultamento; (2) as ossadas já eram observadas a pelo menos quatro gerações, mas sem memória do ato do enterramento ou se seriam efetivamente oriundas de uma prática funerária; (3) alguns episódios de violência com os poderosos da região relacionados a disputa das terras fazem parte da memória da comunidade, então um enterramento desordenado das vítimas poderia ser justificado de acordo com a distribuição atual; (4) caso venha a ser indicado que as ossadas pertencem a grupos que não possuem relação com os quilombolas, poderia haver problemas em relação a legitimidade de ser um Quilombo; (5) a indicação de que Tapuias teriam ocupado uma área próxima.

Problemas de pesquisa sérios e complexos mais uma vez nos foram entregues. Respondi que o ideal seria uma boa escavação para contextualizarmos o sítio, mas que na falta imediata de recursos, nós poderíamos verificar o mobiliário arqueológico em superfície associado às ossadas.


Durante nossa visita identificamos um fragmento de faiança fina inglesa (Shell-edged Pearlware, com produção associada ao período de 1780 e 1840) e uma lasca de silexíto com alteração térmica e retoque no gume. Dois artefatos distantes cronologicamente, localizados em superfície, que nos apontam como é uma área que foi ocupada por diferentes grupos e em uma grande escala de tempo.


Mais uma vez, a pergunta demandada pela comunidade ainda não pode ser plenamente respondida.


Importante registrar que um Quilombo não é formado por ideias estanques ou padrões previamente estabelecidos. A presença indígena em quilombos é recorrente e amplamente registrada pelas autoridades competentes. Tal ocorrência pode ser verificada em escavações arqueológicas em áreas quilombolas, como é o caso da pesquisa arqueológica no Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga (AL).



Lasca retocada no Quilombo Lagoa das Piranhas. (Foto: Fernanda Simões, 2016)


 

O fenômeno Tapuia: direito à memória e as águas que nos levarão

Como foi possível verificar nas palavras acima, o termo “Tapuia” foi empregado nas duas localidades. O mesmo ocorre em diversos sítios arqueológicos ao longo do Brasil. Talvez, essa seja a forma mais cruel para identificarmos como a memória coletiva foi também alvo de violência pelos processos de colonização.


Ao contrário do que o senso comum ou até mesmo alguns historiadores acreditam, Tapuia não é uma antiga etnia indígena. Femenick (2019) escreveu um texto sobre esse fenômeno ao longa da História do Brasil, indicando que o termo vem do tupi que significa “o gênio bárbaro come” ou “onde vive o gentio”. Almeida (2020) e Silva (2017) registram a indicação do termo a ser aplicado aos que não falavam tupi, reforçando estereótipos sobre como os não falantes de tupi seriam os índios selvagens e bárbaros.

Trata-se de uma forma tão profunda de violência que retirou das comunidades do oeste da Bahia o direito a própria memória. Não é possível indicar através da memória coletiva o nome das etnias que ocuparam a região, sobrando apenas a referência Tapuia. Em algumas localidades de São Desidério, Tapuia é tido pelo sobrenome e marcador da ancestralidade indígena.


Ao mesmo tempo que os moradores do entorno dos sítios arqueológicos de São Desidério e Bom Jesus da Lapa entendem que suas questões apenas serão respondidas através da cultura material, também indicam as consequências do processo de inviabilização e massacre dos grupos indígenas do oeste da Bahia.


Apesar de distantes geograficamente e problemas de pesquisa discrepantes, a reivindicação da sua própria memória é a pauta para essas pessoas: busca por uma relação concreta com os sítios arqueológicos.


As águas que banham os dois sítios arqueológicos, Rio Grande e Rio São Francisco, demonstram o desejo que entender essas relações de ocupação e difusão da sua própria história. Assim como as águas que me trouxeram à Barreiras, começar uma vida nova, espero que as mesmas águas nos ajudem a responder as questões que os moradores nos demandam.


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REFERÊNCIAS

FEMENICK, Tomislav R.. Os Tapuios, Etnia ou Designação?. REVISTA TRIBUNA DO NORTE, 2019.

FUNARI, Pedro Paulo. Arqueologia. São Paulo: Contexto, 2010.

PAULO DE ALMEIDA, H. A. Povos Indígenas e “História Geral do Brasil”: permanências de depreciação e negação em Varnhagen. HISTÓRIA UNICAP, v. 7, p. 249, 2020.

PESEZ, Jean-Marie. História da Cultura Material. In: LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

SILVA, SONIELSON JUVINO. Tapuias, entre cronistas e hommes de lettres: análise comparativa da historiografia brasileira nos séculos XVI e XIX. HISTÓRIA UNICAP, v. 4, p. 235-249, 2018.


Fernanda Libório Ribeiro Simões, professora da UFOB.

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